17 de janeiro de 2018

Representatividade marca ano de 2017 na Casa da Cultura de Arapiraca

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Índios dançando toré durante 1ª Semana de Consciência Indígena (Foto: Lourdes Rizzatto/ Cortesia)

O ano de 2017 foi marcado no Brasil e no mundo por inúmeros retrocessos sociais, com os nossos direitos de liberdade de expressão sendo cercados ou até mesmo cerceados.

Mostras sendo canceladas, artistas sendo subjulgados por um povo que mal lê um livro por ano, abordagens teatrais vitimadas pelo puritanismo de internet. De fato, a face conservadora se mostrou sem maquiagens ao longo destes últimos 12 meses.

Em Arapiraca, no entanto, aconteceu o contrário. Sempre na vanguarda, a segunda maior cidade do estado de Alagoas teve na Casa da Cultura e Biblioteca Municipal Professor Pedro de França Reis, no bairro do Centro, o seu núcleo de atuação e ação.

O local fica na Praça Luiz Pereira Lima, dentro de um dos maiores circuitos de equipamentos turísticos e culturais do município, que ainda dispõe da Tenda Cultural, Museu Zezito Guedes, Academia Arapiraquense de Letras e Artes (Acala), Escola de Artes, Centro de Apoio às Escolas de Tempo Integral II e a Banca do Argentino – apenas este último não pertencendo à Prefeitura.

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Uma das exposições dentro da “Afro Ancestralidade no Cotidiano Arapiraquense” (Foto: Lucas Ferreira)

Mãos em riste

A luta pelos direitos assegurados se dá no campo do debate e da amostragem do que se não vê normalmente por aí. Foi isto o que a Casa da Cultura fez no ano que se passou.

Com efeito, as minorias tiveram espaço, vez e voz tanto no rol principal, como no auditório da Casa.

E um dos marcos foi a realização da mostra Afro Ancestralidade no Cotidiano Arapiraquense, neste último mês de novembro, trazendo para o púlpito a causa negra com a Exposição Negra Cor – Filhas de Quilombo (envolvendo as comunidades Pau d’Arco e Carrasco); Exposição de Discos de Músicos Negros, com curadoria de Paulo Lourenço da Silva, o “Paulo do Bar”; Exposição dos Quadros do Filme “O Juremeiro de Xangô”, feito pelo artista plástico Marcelo Mascaro; e Exposição de Livros sobre Arte e a Cultura Negra (veja aqui).

Além da 2ª Caminhada Contra o Racismo Religioso que teve a Casa da Cultura como ponto de chegada (confira mais fotos abaixo), na oportunidade e no local, houve ainda a entrega do Troféu Maria Pilar – a primeira mãe-de-santo de Arapiraca – para três outras: mãe Luci de Iemanjá, mãe Guida de Ogum e mãe Rita de Oxum.

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Mãe Luci de Iemanjá (no meio) foi uma das homenageadas (Foto: Lucas Ferreira)

Mãe Luci de Iemanjá

Nascida em Arapiraca como Luciene Pereira Dias Paes, em agosto de 1941, ela teve o primeiro contato com a cultura afro aos 9 anos de idade.

Foi a mãe Iracema que a guiou nos primeiros passos e, quatro anos depois, se aprofundou na vida espiritual, afirmando ter passado por três gerações Nagô.

A mãe Luci de Iemanjá tinha como sua madrinha de Jurema Sagrada a mãe Maria Pilar. Ela é casada com Emanuel Pereira Dias Paes e tem oito filhos.

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Outra que recebeu o troféu foi a mãe Guida de Ogum (Foto: Lucas Ferreira)

Mãe Guida de Ogum

Etelvina Soares dos Santos é natural do sítio Dois Braços, em Quebrangulo-AL, e nasceu em 1921, casando-se aos 13 anos com José Teixeira dos Santos, com o qual teve cinco filhos.

O seu descobrimento mediúnico aflorou ainda com 2 meses de vida e, aos 7 anos de idade, teve sua iniciação dentro da religião afro com a yalorixá mãe Antônia.

Ela chegou em Arapiraca em 1950, onde teve contato direto o pai Zé de Holanda. Ficou na cidade desde então, sendo mais conhecida como mãe Guida de Ogum.

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Mãe Rita de Oxum (em primeiro plano, à direita) também foi um dos destaques (Foto: Lucas Ferreira)

Mãe Rita de Oxum

Mãe de 2 filhos e avó de 5 netos, Maria Rita veio ao mundo em dezembro de 1941 no município de Viçosa.

Ela chegou em Arapiraca aos 15 anos de idade, em 1956. Foi aqui que a adolescente teve seu primeiro contato com a religião de matriz africana com a mãe Severina de Oxumarê e, depois, com mãe Iracema e o pai Alfredo de Xangô.

Mãe Rita de Oxum, com as demais acima, fecha o trio das detentoras do saber afro de maior relevância em nosso município. Por isso, a merecida premiação.

“A vida delas é o trabalho delas. Elas se dedicaram inteiramente à cultura afro. São símbolos de sabedoria, força e luta contra o preconceito e a ignorância humana. Mereciam este destaque há muito tempo e a Casa da Cultura é agora palco deste tipo de reverência, mais do que nunca; um espaço aberto ao novo, à diversidade e à representatividade”, pontua a diretora Leide Serafim, mais conhecida como “Olodum”, apenas há 1 ano à frente do local.

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Público está sempre presente nas movimentações culturais que acontecem na Casa, como na abertura da 1ª Semana de Consciência Indígena (Foto: Lourdes Rizzatto/ cortesia)

Atividades diversas

Este marco da cultura africana, tão pouco disseminada em nosso cotidiano, foi apenas um dos pilares que ergueram essa nova Casa. Outras atividades também fizeram dela mais aberta.

Por exemplo, juntamente com a Secretaria de Estado da Cultura, veio para cá em 2017 o renomado ator, diretor e teatrólogo Chico de Assis para dar um curso no auditório da Casa. “Um momento muito bacana e de aprendizado ímpar”, diz o secretário Municipal de Cultura, Lazer e Juventude, Silvestre Rizzatto.

E completa: “Tivemos por lá algumas exposições como a Semana da Mulher, Literatura e Cultura [veja aqui]; a riquíssima Semana da Consciência Indígena [veja aqui]; o projeto Viagem ao Mundo da Leitura, dedicado à Educação Infantil; a Primavera Literária; a Mostra da Galeria Política Arapiraquense; a mostra Afro Ancestralidade no Cotidiano Arapiraquense, com caminhada contra a intolerância religiosa, apresentação de afoxés e homenagens a mães-de-santo [como já citado acima]; e a Mostra Folclórica, em parceria de uma escola aqui de nossa cidade, com performance e culminância na Praça Luiz Pereira Lima [veja aqui]. A Casa da Cultura vive um novo momento de acolhimento”.

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Ambiente foi palco de diversos lançamentos de livros, a exemplo do “Opará Revisitado” do sergipano Severo D’Acelino (Foto: Breno Airan)

Houve ainda lançamentos de livros no auditório da Casa no ano passado, como o “Opará Revisitado”, de Severo D’Acelino (veja aqui); “Radiações de Fundo Cósmico”, de Cosme Rogério Ferreira (veja aqui); e “Mandato Digno”, de Ronaldo Lessa, todos eles com debates e atividades culturais atreladas.

Também no auditório foi dado apoio com a cessão do espaço, que comporta mais de 100 lugares, para os mais diversos grupos usarem, a exemplo do Cineclube Trianon.

Este tipo de manifestação, partindo da própria população, abre um leque mais amplo para os fazedores de cultura arapiraquenses, porque isto movimenta o local, aberto justamente para esses fins. Sempre com novos começos.