Marques da Silva: protagonista de uma história que Arapiraca nunca esqueceu
Se essa história fosse contada de trás para frente logo você reconheceria o personagem, mas seremos justos aos fatos e vamos começar como manda o figurino, do início, e esse foi lá no ano de 1924, no dia 12 de fevereiro, quando nasceu no povoado de Canudos, na época 3º Distrito de Anadia, José Marques da Silva. A título de conhecimento, o então povoado foi elevado a categoria de município em 24 de agosto de 1962, se transformando em Belém.
José Marques da Silva era um dos três filhos do fazendeiro e agropecuarista, Alcino Marques da Silva, e da professora Josina Marques da Silva. Ele aprendeu as primeiras letras com sua mãe e a sua infância foi igual a todos os garotos da sua idade, brincando na rua, jogos de bola e em meio aos animais. Ao completar sete anos de idade, José Marques estudou na Escola Mista do Povoado, onde nos fundos funcionava a empresa de algodão do seu pai.
Após cursar o primário no então distrito de Canudos, Marques da Silva estudou em Palmeira dos Índios e depois foi admitido no Colégio Diocesano, em Maceió, e anos mais tarde se formou em medicina em Salvador, na Bahia, onde conheceu a namorada que cinco anos mais tarde se tornou a sua esposa, Maria Vieira Marques.
Maria Vieira Marques cursava Farmácia na mesma faculdade de José Marques e é natural de Pão de Açúcar. (Um registro do casamento dos dois, retirado do livro do jornalista Roberto Gonçalves “Marques da Silva: A Morte Anunciada”).
Ao concluir o curso superior, José Marques fixou residência em Arapiraca, mas nunca perdeu contato com sua terra de origem. Na terra de seus pais, o médico atendia de graça as pessoas humildes, amigos, moradores e agricultores, doando, na maioria das vezes, os medicamentos. Para muitos, Marques da Silva era conhecido como o “médico dos pobres”.
Vida política
Quando cursava o terceiro ano de medicina, em 1948, José Marques recebeu uma carta do então deputado federal Rui Palmeira. No documento o político estimulava que o jovem estudante ingressasse na atividade política.
“Vínhamos de romper o sombrio período da ditadura no nosso País e eu sentia na figura do deputado Rui Palmeira um idealista sincero, animado pela flama de servir aos ideais democráticos”, escreveu José Marques em um documento que mais tarde se tornou público.
A ambição de um moço fez José Marques aceitar a sugestão de Rui Palmeira, que se tornou, depois de algum tempo, um dos seus mais fiéis e dedicados amigos.
Nas eleições de 1950, já como integrante da União Democrática Nacional, o nome de Marques figurou na chama dos candidatos do partido à Assembleia Legislativa Estadual. Mas dessa eleição, o jovem estudante saiu derrotado.
Anos mais tarde, já como médico em Arapiraca, que inclusive a cidade foi indicada pelo deputado Rui Palmeira, e no dia 14 de fevereiro de 1952 fixou residência. Dois anos depois, em 1954, a UDN, que estava de fogos apagados, saiu vitoriosa das eleições. Marques foi eleito deputado estadual com uma votação pessoal mais expressiva até hoje obtida por um candidato à Assembleia Legislativa.
Inclusive, pouco antes das eleições, a casa de José Marques foi alvo de tiroteio no final da tarde.
Ele saiu vitorioso com 3.670 votos. Seu coeficiente deu para eleger mais dois deputados. A vitória da UND irritou, sobremaneira, os adversários que fizeram do deputado, de preferência, o alvo de suas iras. Diante da onda de terror implantada não só em Arapiraca, como em todo o estado de Alagoas, sob a inspiração direta do governador Muniz Falcão, Marques suspeitava que uma trama criminosa se organizava para o extermínio de sua vida.
Assassinato
“Se o ponto final dessa verdadeira tragédia for, como tudo indica, minha eliminação pessoal, desejo, apenas, que minha família sofra com resignação e cuide de meus três filhinhos, a fim de que, mais tarde, eles possam fazer, por Alagoas e pelo Brasil, o que não me foi possível realizar”
Trecho da carta denúncia que o deputado estadual José Marques enviou ao presidente do Diretório Nacional da União Democrática Nacional (UDN).
Agora imagine a angústia em suspeitar que vai ser assassinado? Sim, porque José Marques não só suspeitava como escreveu uma carta para o presidente nacional do seu partido descrevendo os últimos acontecimentos e a sua morte. Mas claro que para isso houve um, ou vários, indício.
Na noite do dia 23 de outubro de 1956, o vereador e forte correligionário de José Marques, Benício Alves de Oliveira, foi assassinado de armadilha quando chegava à casa da sua amante Judite Caetano, no sítio Alexandre, zona rural de Arapiraca.
De acordo com os historiadores, o vereador era muito odiado pelo grupo político liderado pelo deputado estadual Claudionor Albuquerque e pelos membros da família Barbosa, que não viam limites para se perpetuarem no poder e manterem a hegemonia política em Arapiraca naquela fase nebulosa da política alagoana.
A principal testemunha do crime foi o motorista de Benício, conhecido como Zé Pequeno, que ficou escondido embaixo de um caminhão de propriedade do vereador e saiu ileso do episódio.
Diante dos fatos, o deputado estadual denunciou tudo ao partido, que mandou João Aprigino para observar, in loco, os acontecimentos de Alagoas. Constatando a veracidade dos fatos, o secretário-geral recebeu do governador Muniz Falcão a promessa que iria restabelecer a paz e a tranquilidade em Arapiraca. Mas não passava de apenas uma trégua.
Percebendo que os fatos políticos tinham atingido a esfera federal, o governador substituiu a arbitrária autoridade do município de Arapiraca o delegado e capitão, Cícero Argolo, da Polícia Militar, que no exercício do cargo se manteve distante das paixões políticas locais. Durante três meses nenhum fato violente aconteceu no município.
Mas tal situação não satisfazia os adversários, como o deputado Claudionor Lima, que não admitam a sobrevivência senão daqueles que lessem por sua cartilha política. Atendendo essa exigência, Muniz Falcão substituiu o capitão por um civil, o Francisco Pereira Lima, candidato a prefeito e derrotado no último pleito.
A partir daí foi registrado o assassinato de Benício e o extermínio do deputado estadual José Marques da Silva já estava todo arquitetado.
“Prefiro morrer com honra a viver sem ela. Não deixarei meu Estado, nem abandonarei minha família e o povo que me elegeu para que, amanhã, meus filhos tenham vergonha de ouvirem falar do meu nome”.
A previsão trágica de Marques da Silva foi concretizada no dia 07 de fevereiro de 1957, quando foi atraído em uma cilada no exercício da sua atividade médica. Foi assassinado aos 32 anos de idade, faria 33 no dia 12 de fevereiro, mas cinco dias antes foi morto. Ele saiu pouco tempo antes para atender Nair Fernandes. Mas tal chamado não passava de uma cilada.
Ao voltar para casa ele foi atingido no coração, pelas costas, curvou-se, tentou apressar os passos e tombou próximo ao meio fio da calçada de sua residência. E esposa do deputado ficou desesperada, aos gritos perguntou “Marques, o que é isso?”, mas o deputado estava praticamente morto, com os braços sobre a barriga, ele agonizava.
Hoje a praça onde José Marques foi assassinado e residia leva o seu nome.
O crime que foi vítima o deputado estadual Marques da Silva, foi um golpe fatal conta o então governador Muniz Falcão, que passou a ser culpado por tudo.
No dia 09 de fevereiro, deputado estadual Oséas Cardoso apresenta ao presidente da ALE denúncia contra o chefe do executivo, acusando-o de conivência nos assassinatos de líderes da oposição e de violência contra o legislativo e judiciário. É aberto o processo de impeachment contra Muniz Falcão.
Tiroteio na Assembleia
O Impeachment seria votado no dia 13 de setembro de 1957, mas o gatilho das metralhadoras falou mais alto. Às 14h30 acontece o episódio mais triste e comentado da história política alagoana. Reunida para votar o processo de impedimento de Muniz Falcão, a ALE transforma-se em um verdadeiro campo de batalha em meio à imensa fuzilaria que ao terminar deixou o deputado Humberto Mendes morto e um jornalista ferido, além de um funcionário e cinco deputados da oposição.
Dona Maria
No mesmo dia do assassinato de José Marques, sua esposa dona Maria saiu de Arapiraca para Maceió, onde o marido foi sepultado na Assembleia Legislativa de Alagoas e depois enterrado no cemitério Nossa Senhora da Piedade, e nunca mais retornou à capital do Agreste.
“Foi muito difícil, conviver com ele era a melhor coisa do mundo, ele dava muito valor à mulher”, contou a viúva que hoje está com 90 anos e como fez questão de dizer um de seus netos, “extremamente lúcida”.
Filha única, Maria Marques é natural de Pão de Açúcar e ficou viúva aos 29 anos. “Sem pai, sem mãe e sem marido”, disse ela. Isso porque ela perdeu o pai aos oito anos de idade e a mãe morreu um ano antes de Marques.
Com três filhos a tiracolo, o mais novo com seis meses e o mais velho com quatro anos e oito meses, dona Maria contou que a irmã mais velha de sua mãe, que na época morava em Curitiba, foi para Maceió e cuidou dela e dos filhos.
“Todos foram educados, estudaram e se formaram. Não tem um sem curso superior”, disse, orgulhosa, a viúva de José Marques.
Ligação política dona Maria sempre teve, visto que seu pai já havia sido prefeito de Pão de Açúcar, mas ela nunca gostou e pedia muito que Marques “deixasse isso para lá”. Ela tinha (e ainda tem) tanto pavor que nunca pediu um voto para o marido.
Quando o deputado morreu, dona Maria estava na porta de casa com um dos filhos no braço e o mesmo dizia “esperar papai”.
Mas papai nunca voltou. Caiu em frente à residência. No calçadão do comércio, em Arapiraca, vítima de uma tragédia que o município nunca esqueceu.