Arapiraca e a sua história pelas antigas e atuais festas de carnaval
O município e a relação com a festa mais popular do país, ao longo das décadas
Irreverente grupo de amigos no Bloco Zum Zum
Há quem diga que Arapiraca não tenha tradição de festa carnavalesca. Mas também, há quem se recorde de uma época de ouro na tradição da folia de carnaval. O ponto de vista depende da década de nascimento de quem afirma.
Na verdade, o município passou pelas duas fases, em diferentes épocas. Nas décadas de 60 e 70, a população de Arapiraca viveu um período de tradição de realização da festa de momo, reconhecida em todo o estado. E lembrada com saudosismo pela turma que participou desse momento festivo na cidade.
Conversando com arapiraquenses que viveram a juventude nas referidas décadas, é fácil perceber que se tratava de um momento único, rico em boas lembranças, que o tempo não conseguiu apagar. E que seus autores não querem esquecer. Para isso, há quem guarde fotos, escritos e, também, quem faça páginas nas redes sociais para preservar a memória e reunir os amigos.
Essa fase durou aproximadamente duas décadas. Com destaque para a festa de rua, que se entendia para casas de famílias tradicionais da cidade e bailes no clube. Depois disso, Arapiraca passou por um longo intervalo sem realizar a folia carnavalesca. Uma fase em que as famílias começaram a cultivar o hábito de passar o carnaval nas praias. E a cidade, considerada ideal para quem quer ficar distante da folia.
E para suprir essa carência de festa carnavalesca, o município apostou na realização da micareta, o carnaval fora de época, a Micaraca, que puxou milhões de foliões, durante um período de 13 anos, de 1992 a 2004.
Depois dessa fase, a cidade voltou a realizar a folia de rua. Mas, dessa vez, ao contrário do que aconteceu em décadas passadas, que a festa acontecia durante o carnaval, a proposta adotada foi a de prévia, realizada semanas antes do período momesco.
E é somente essa festa que a juventude atual tem conhecimento. O que, para as pessoas mais antigas, é uma pena. Sendo assim, essa matéria especial, em homenagem aos 93 anos de emancipação política de Arapiraca, tenta resgatar um pouco da história das festas carnavalescas do município.
Os blocos mistos garantiam a alegria dos jovens amigos nos dias da folia
Os primeiros carnavais
Antes de entrar em detalhes nas diferentes fases da comemoração carnavalesca, já citadas, vale ressaltar o registro do Zezito Guedes, escritor, folclorista e artista plástico, em seu livro “Arapiraca através do tempo”. Ele descreve que a tradição carnavalesca começou ainda nos anos da pós-emancipação, 1925, 26 e 27, quando o município passou a organizar as primeiras festas de carnaval.
Guedes descreve que, nesse período, os políticos e as figuras de destaque da sociedade intensificaram as atividades sociais da nova cidade. E promoveram concorridas festas carnavalescas, motivadas pelo caráter comemorativo da conquista da Emancipação.
Então, nasceu o primeiro bloco carnavalesco de Arapiraca, o Canaverde, fundado pelo Cel. Zé Farias. Com direito a foliões fantasiados, estandarte – uma cana verde com um pendão – e músicas.
Em seguida, o “Mestre Jovino” fundou o bloco Bola Preta. O destaque ficava por conta da música apresentada como carro-chefe, composta pelo maestro e cantada por compositores.
O sucesso da festa foi motivando a criação de outros blocos, a exemplo do Lusitano, Garota Moderna, Padadinos, Caçadores e Sossega Leão. Alguns desses blocos chegaram a animar os carnavais de Arapiraca até o ano de 1935.
A bandinha do Dedé incentivou o nascimento de blocos arapiraquenses
Posteriormente, numa época em que os carnavais estavam quase em recesso, em virtude de acirradas lutas políticas, Dedé Vigário criou a sua bandinha de zabumba, que tomou o seu nome, composta de veteranos boêmios da sociedade local, que saiam tocando pelas ruas de Arapiraca, invadindo as residências dos amigos e provocando risos.
Após a criação e sucesso da Bandinha do Dedé, que posteriormente se transformou em bloco misto, e atuou no carnaval até o ano de 1978, aconteceu uma espécie de “abertura” para o surgimento de outros blocos, formados por estudantes. Entre eles, Zum Zum, Tengo Tengo, Bizorão, Bloco do Pau, Bisoleta, Corrupaco e Pingo Dela. Além das escolas de samba: 30 de Outubro, Unidos de Arapiraca e Cebolinha.
Fantasiados carregam o estandarte do bloco do Zum Zum pelas ruas do centro
Bloco do Zum Zum
Entre os blocos, o Zum Zum foi um dos que marcou a juventude arapiraquense, nas décadas de 60 e 70. Formado por aproximadamente 60 amigos e amigas, a maioria estudantes, desfilava criatividade e irreverência, com suas fantasias e cantando as marchinhas pelas ruas da cidade, durante os dias de carnaval.
A prova disso é que alguns componentes mantém uma página no facebook, que pode ser atualizada pelos membros, e ainda promovem encontros. “A ideia é reviver e resgatar momentos vividos na época de ouro da nossa Arapiraca”, declarou o jornalista Eli Mário Magalhães, um dos entusiastas do bloco, que fez a festa durante 10 anos, com início em 1965.
Registro de encontro entre componentes do bloco Zum Zum, em 2015
Ele compartilha com emoção a história do bloco e as recordações que guarda. Entre elas está a irreverência das letras das músicas cantadas pelo grupo. Durante a entrevista, prova que a memória está perfeita e solta a voz para apresentar uma das marchinhas. “Dona Maria / Mulé de ouro / Vale um tesouro / A sua bela famia / Gostei de vê / Sua presença / Pois a recompensa / Deus vai le dá/ Todo dia / Oia a abeia, zum-zum-zum / Oia a abeia, zum-zum-zum…”
A letra da marchinha, segundo ele, era uma homenagem às famílias que recebiam os estudantes em suas residências. Eli Mário explica que a festa carnavalesca começava de manhã e seguia até o final da tarde. No percurso, que incluíam ruas do centro, eram convidados a entrar em casas, onde os moradores os recebiam com festa e alegria.
“A festa, na verdade, começava bem antes do carnaval. Durava em torno de 15 dias. Era a oportunidade de reunir os amigos, muitos estudando fora da cidade, organizar os detalhes do bloco e viver uma experiência maravilhosa. Alugávamos uma casa e lá ficávamos até o dia do término da folia. E detalhe, na festa não havia uso de drogas ilícitas, somente bebida alcoólica, e todos se divertiam”, explicou Eli Mário.
Tradicional Baile de Carnaval no Clube dos Fumicultores
E, com o cair da noite, após um dia inteiro de folia, a juventude seguia a programação no Baile de Carnaval do Clube dos Fumicultores. Entre as foliões que recordam e guardam a lembrança com carinho, o prefeito Rogério Teófilo e a vereadora e presidente da Câmara de Arapiraca, Graça Lisboa.
“Era um carnaval que reunia famílias e amigos. Uma festa de confraternização, com laços de amizade que continuam até hoje. Entre as lembranças, o desfile de diversos blocos, durante o dia, e o tradicional Baile de Carnaval, no Clube dos Fumicultores, à noite, animado por orquestra de frevo e a participação da juventude arapiraquense”, recorda Rogério Teófilo.
“No período do auge das festas de carnaval em Arapiraca, eu morava em Palmeira dos Índios. Mas vinha participar, como faziam muitos jovens que moravam fora. Eu me recordo do capricho das fantasias, da alegria das pessoas nas ruas e no clube, as músicas e a irreverência. Participava da folia de rua, depois seguia para a única piscina do município, do senhor Odilon Ferreira, e, à noite, a programação continuava no baile no Clube dos Fumicultores. Tempo bom de recordar”, declarou Graça Lisboa
Micaraca
Trios elétricos “arrastavam” multidões durante os dias da Micaraca
Passada a fase do auge da festa carnavalesca no município, Arapiraca passou a apostar no sucesso do carnaval fora de época, a Micaraca. O evento iniciou em 1992. Somente dois anos depois, a capital do Estado passou a promover o Maceió Fest.
A micareta de Arapiraca se estendeu por 13 anos, consolidada como um dos maiores eventos turísticos de Alagoas. A festa “puxava” milhares de foliões de várias partes do Brasil, durante três ou quatro dias de folia. Entre os principais blocos: Azul e branco, Chiclete com cachaça, vou te pegar, cidadão nota 10 e Filhos do CBC.
A organização do evento chegou a registrar uma média superior a 250 mil pessoas, por edição da Micaraca. O público circulava pelo percurso da festa, que iniciava no Posto Divan, seguindo pela Avenida Governador Lamenha Filho até a rua Marechal.
A estrutura era montada para atender a todo público: os que podiam pagar por um camarote e acompanhavam toda a programação no conforto; os que compravam os abadás e seguiam os trios elétricos com as principais atrações da festa; os que preferiam a arquibancada; e, ainda, os que acompanhavam toda a folia na “pipoca”, onde gratuitamente, participavam dos blocos alternativos, sem corda e sem abadás.
O evento trouxe para Arapiraca as principais atrações do axé music, a exemplo de Chiclete com Banana, Asa de Águia, Netinho, Ivete Sangalo e Araketu. Além dos artistas locais, acompanhados por tradicionais trios elétricos, entre eles, o Folha Verde, do saudoso empresário Jarbas Lúcio.
Chiclete com Banana: uma das atrações do axé music, na micareta
Quem participou da Micaraca afirma que ela deixou saudades. Há quem diga que era uma das melhores micaretas do Brasil. “Falar sobre a Micaraca é relembrar histórias, amizades, músicas, personagens e coreografias das bandas baianas, reproduzidas pelos foliões. E não podia faltar a tietagem com os artistas favoritos, porque a festa só terminava quando o cantor descia do trio. Era fã de Netinho. Então, onde ele cantava era o bloco escolhido”, comentou Ângela Nascimento, arapiraquense “micareteira”.
Resgate da Folia de Rua
Folia de Rua, edição 2017, no Bosque das Arapiracas
Na tentativa de resgatar a tradição das prévias carnavalesca, Arapiraca realiza, há 13 anos, o projeto “Folia de Rua”. O evento começou em 2004, com dois blocos, o da Polícia Militar e da Unimed Metropolitana do Agreste, em parceria com a ONG Candeeiro Aceso.
Nos primeiros anos a folia acontecia da forma tradicional do carnaval de rua, com foliões fantasiados e músicos tocando marchinhas. Mas, os anos foram passando e a proposta mudou. Nas últimas edições, a presença de trios elétricos tocando axé, dividem as opiniões.
A edição 2017 do Folia de Rua contou com a participação de 16 blocos. E reuniu, segundo informações da Liga dos blocos, 28 mil pessoas, ao longo do percurso, que começou no Parque Ceci Cunha, passou pelo Bosque das Arapiracas e retornou até o Ginásio Municipal João Paulo II.
Desfile de Rei Momo e Rainha do Carnaval abre a prévia carnavalesca em Arapiraca
O evento foi realizado pela secretaria Municipal de Cultura, Lazer e Juventude, com apoio da Liga dos Blocos do Folia de Rua e parceria de empresas locais. Na avenida, desfilaram os blocos: Pestalozzi; Tô Seguro; Sou Formando; Valeriano & Cia; Ninja na Folia; Como é que é; Carnamancha; Dr. Cuidar e Samuzeiros; Nill N’avenida; Eu cidadão; Os errados; Um gole a mais; Kihei; Tá tô besta; Predador e Os Topados.
Escola de Samba Jangadeiros Alagoanos homenageia Arapiraca, em desfile de 2012
Curiosidade: Arapiraca é homenageada por escola de samba
Arapiraca, no ano de 2012, foi a grande homenageada pelo Grêmio Recreativo Escola de Samba Jangadeiros Alagoanos, em Maceió, com o samba-enredo: “Um sonho à sombra de uma Arapiraca”, que convida a conhecer um pouco da história do município, de autoria do jornalista e carnavalesco Henrique Fernandes.
De acordo com a direção da escola, o enredo foi um reconhecimento ao desenvolvimento econômico, sociocultural e referência administrativa no Estado de Alagoas.
Um sonho a Sombra de uma Arapiraca
(Henrique Fernandes)
Jangadeiros desfolha a memória
Relembra na história
O Grande fundador
Manoel em pleno agreste Alagoano
Com sua sombra se encantou
–
Nesse torrão fez morada…
E o povoado progrediu
Numa prova de amor incondicional
Pra sua amada edificou uma catedral
–
Semeou o solo fértil que habitava
Floresceu a liberdade almejada…
Pelas mãos…. Pelas mãos…
Pelas mãos do Major Esperidião…
–
Lá se foi o tempo…
O desenvolvimento aqui chegou,
Brotou a cultura do fumo,
Arapiraca se transformou!
–
Sou Tradição, sou cultura popular
Personalidades vou exaltar…
Seu comércio, a feira e alegria
Força Viva do seu povo lutador
–
Pra Ceci filha ilustre que adotei
Peço justiça e oração
–
(E hoje)
Hoje nessa festa de rua
Um Coringa vem me afirmar!
Bata no peito pode festejar
E nas Asas da euforia
Minha torcida vai vibrar!
–
Hoje vou sonhar
Um sonho especial
Torná-lo realidade no meu carnaval
Arapiraca é o nosso enredo
Tal qual uma poes
Desfile da Escola Jangadeiros em homenagem a Arapiraca
https://www.youtube.com/watch?v=jD5b0HnNtjc