28 de outubro de 2017

Arapiraca é uma festa: o amor e a amizade florescendo em uma cidade feliz

especial3

Os clubes de Arapiraca fazem revivals daqueles bailes que aconteciam antigamente, como este reverenciando os anos 1980 nos Fumicultores (Foto: Reprodução/ Internet)

Parafraseando o grande escritor estadunidense Ernerst Hemingway, Arapiraca é uma festa. É debaixo desses galhos que acolhem seus moradores que a alegria, o amor e a amizade florescem.

A história da cidade se confunde com os seus momentos festivos. E os eventos momescos (leia mais aqui) tiveram grande representatividade nesse ambiente que foi se formatando, com pessoas de outras localidades sempre convergindo para cá.

No final do século passado, a Micaraca, uma espécie de micareta fora de época, trazia os estandartes do Carnaval para o meio das ruas, que se enchiam de gente de todas as cores, credos e gêneros. O intuito era um só: compartilhar.

É essa dinâmica de acolhimento que fez Arapiraca ser o que é hoje, com um povo que sabe dividir o pão – e também o copo de vinho.

Isso se vê nas (boas) lembranças do casal Cícero Brito e Jacinta Lúcia Pinheiro, que se conheceram em 1972. Ambos frequentavam a noite arapiraquense, que era tomada por bailes.

especial6

Casal se conheceu no início da década de 1970 e o amor surgiu nos bailes; na imagem, os dois reflexivos ao final de mais uma festa na noite arapiraquense (Foto: Arquivo Pessoal)

Essas manifestações culturais e sociais trazem a tônica de toda uma geração, embebida dos temores de uma Guerra Fria em escala mundial e de uma ditadura militar institucionalizada em nosso Brasil, naqueles que foram os anos mais obscuros da nossa História moderna.

Então, as pessoas saíam de casa para se divertir um pouco, diante de tanta tensão. O que é um reflexo bastante interessante, em uma sociedade que oprimia as liberdades individuais e as artes de uma maneira geral. Tudo tinha que andar na linha.

“Mas a gente dançava fora desse quadrado. Aqui em Arapiraca tínhamos o Bar do Paulo que tocava músicas que na época era proibidas pela censura. Isso, esse ato de coragem artística em apenas botar o vinil para rodar, mudou o olhar de muita gente e ‘fez a cabeça’ de toda a minha geração”, diz o economista e artista plástico Cícero Brito, que inclusive chegou a expor quadros dentro deste mesmo bar que instigava o pensamento crítico.

Ele lembra que não só lá, mas nos próprios bailes o povo se dava por inteiro. Era um sentimento realmente de troca. E quando há essa abertura para o outro e para as situações que são criadas, há felicidade genuína. É o momento em si.

E em Arapiraca, existiam muitas “casas de show” – como são chamadas hoje –, onde as festas rolavam soltas, mas sempre com supervisão par anão haver excessos. Como era o caso do Clube dos Fumicultores, tradicional point na noite local.

Foi lá que a paixão de Cícero teve início. “Eu via aquela menina alegre dançando com todo mundo, ao lado das amigas, e me encantei. Ela sentia a música. Então me aproximei, já que ela estudava com uma de minhas irmãs, a Sales. Tentei várias vezes conversando até que ela cedeu às minhas investidas – e aos meus passos de dança”, brinca Cícero, que dizia assistir repetidas vezes ao filme “Os Embalos de Sábado à Noite”, com John Travolta, para aprender todo o gingado da disco music.

especial5

Jacinta e Cícero mantêm o bom humor até hoje na vida conjugal (Foto: Arquivo pessoal)

Da paixão que nasceu do baile, nasceu em seguida o amor – e ainda dois filhos; um deles é este que vos escreve. “Estamos juntos há basicamente 40 anos e contando…”.

Ele ressalta que também havia festas e matinês na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), no Jacy’s Club (antigamente chamado de “Clube Ara”), Produban (onde hoje funciona a loja Santana, no bairro do Centro) e Clube do ASA.

A paquera aos finais de semana era “sacramentada” logo após às missas na Igreja do Santíssimo Sacramento, na Praça do Bom Conselho, no Centro, quando os candidatos a casal compravam pipoca, sorvete da Pinguim e rolete na Praça Deputado Luiz Marques da Silva. “A gente ficava conversando e arrodeando a praça. De novo e de novo”, lembra.

Já Jacinta recorda dos bons tempos dos bailes mensais nos Fumicultores. “Alguns deles eram temáticos. Havia uns com indumentárias de cigano, Rainha do Fumo – que eu cheguei a concorrer uma vez desfilando, mas não ganhei –, Baile das Debutantes, Brotinho da Cidade, Bailes de Formatura – geralmente no fim do ano – e Baile de Vaquejada. Quem era sócio do clube podia entrar. Era bom demais. Dancei pouco, viu?”, sorri ela, enfatizando haver também o Baile do Rotary e Intecract Club (para os jovens) e Baile do Lions Club e Leo Club (também direcionado aos mais jovens).

Diversas bandas faziam a alegria desses eventos, como Os Notáveis e Apollo D, tocando clássicos da música brasileira e internacional. Era uma época de pura efervescência.

Bem presente na memória da professora de Biologia e contadora Jacinta Lúcia Pinheiro estão também os “assustados”.

“Eram festas-surpresa que fazíamos na casa de amigos. Comprávamos tudo. Bebidas – alcoólicas ou não –, comidinhas e tira-gostos. Chegávamos na residência, montamos um som modesto e estava feita a noite. Havia muita dança e bons papos”, rememora.

especial4

Os “assustados” estreitam as amizades como um todo e rendem bons momentos até hoje, como este na casa do músico Alan Lins (Foto: Arquivo pessoal)

Isso ultrapassou gerações e chegou na atual. Amigos seguem se reunindo na casa de outros por uma questão de afeto e também de comodidade.

“Do nada, o pessoal bate aqui na porta com as coisas todas já compradas. E isso há alguns anos e sempre fazemos esses laços de amizade se estreitarem”, comenta a “vítima” Alan Lins, que é músico e empresário no ramo de jardinagem e mora no bairro Planalto.

Ele afirma que também sai para as festas e eventos culturais que Arapiraca dispõe, mas que, dentro de sua residência, as coisas ficam também mais aconchegantes, mais seguras e “mais baratas”.

“Claro, quando há shows por aqui [que são basicamente os ‘sinônimos’ diretos para os bailes de outrora], estamos lá. Toda a turma junta”, comenta ele, a exemplo do recente festival de música autoral Avenida do Futuro, realizado em setembro no Baco Pub, em que todos os amigos estavam lá para prestigiar os grupos musicais.

Para ele, Arapiraca tem despontado nesse quesito e isso só tem a crescer. Afinal, houve apresentações aqui, em décadas passadas, de grandes nomes da Música Popular Brasileira (MPB), como Zé Ramalho, Alceu Valença, Fagner, Jair Rodrigues, Roberto Carlos, Lobão, Benito di Paula, Jerry Adriani, Quinteto Violado, um certo Chacrinha e tantos outros exemplos.

especial8

O cantor Alceu Valença andou em Arapiraca sobretudo na década de 1980 (Foto: Reprodução/ Internet)

Essas performances aconteciam no próprio Fumicultores, no Cine Trianon, Cine Triunfo, no ginásio da Escola Estadual José Quintella Cavalcanti, na AABB e no Espace, alguns desses ambientes já extintos.

As praças e logradouros públicos em geral agora é que ganham novo palco para essas as festas, já que a cidade tem mais de 240 mil habitantes e um público sedento por Cultura. Prova disso é milhares de pessoas estarem neste sábado (28) em um show gratuito do fenômeno da Jovem Guarda, Renato e Seus Blue Caps, no Bosque das Arapiracas, bairro do Centro, evento realizado pela Prefeitura dentro da Semana do Servidor 2017.

Assim, a alegria fica à mostra, ao ar livre, para todo mundo ver e todo mundo comungar junto.